O Bairro Chinês, o maior bairro de barracas da zona oriental de Lisboa, ficava onde hoje podemos ver os bairros Marquês de Abrantes, Alfinetes e Salgadas e Quinta do Chalé. “Um bairro que tanto tinha gente pobre, como gente rica, com casas de fazer inveja a muita gente”, como disse o sr. José Moreira, durante a tertúlia destes bairros, no passado dia 27 de fevereiro, na sede da Associação Sócio Cultural dos Moradores do Bairro Marquês de Abrantes.
Por toda a freguesia podiam ver-se muitas quintas, mas entre o século XVII e XVIII houve um aumento considerável na parte sul, em primeiro lugar pela mão da nobreza, depois por instituições religiosas e por fim, pela burguesia. Exemplo disso era Quinta dos Alfinetes que pertencia ao Duque de Lafões, a Quinta da Salgada, situada na Azinhaga da Salgada e propriedade de D. Ana Joaquina Salgado e seu marido, constituída por um palácio e uma ermida que se encontram hoje em ruínas.
Com a entrada no século XIX, após a revolução liberal, houve diversas mudanças na zona oriental de Lisboa, em que as antigas quintas e outras novas que surgiram, se tornaram propriedade de comerciantes e industriais em ascensão, nomeadamente as Quintas do Cosme, do Prestes, do Troca, (Joaquim Ferreira Troca, enfiteuta da antiga quinta do Vale Formoso e possuidor de outras quintas), do Desterro, do Quintim, das Amendoeiras, do Casal Ribeiro, do Lopes, do Magalhães, da Valada e da Viúva Pimentel. Foram ainda construídas e desenvolvidas as unidades fabris de sabão, curtume, trefilaria (esta última, mais precisamente na Quinta dos Alfinetes) e refinação de açúcar.
Neste mesmo século, em 1862 o palacete setecentista dos Marqueses de Abrantes – que vieram, posteriormente, a dar o nome ao bairro – foi transformado na primeira Escola Normal Portuguesa (Pátio do Colégio), inaugurada na presença do rei D. Luís, sendo hoje a sede da Sociedade Musical 3 de Agosto, onde se ensaiam as marchas de Marvila.
Nos finais do século XIX, início do século XX houve um grande êxodo da população das beiras para esta zona de Lisboa, vindo em busca de trabalho e melhores condições de vida. Muitos trabalhavam na Fábrica Nacional de Sabões, na Fábrica de Borracha, na Fábrica dos Fósforos e nos armazéns de vinho de Abel Pereira da Fonseca. Como o dinheiro era pouco e as condições ainda menores, para poderem ter a família junta deram início a um processo de ocupação de terras e zonas de ruínas que se tornou no melhor exemplo da ocupação anacrónica do tecido rural da cidade, começando a construção de várias barracas de madeira e chapa, distribuídas por ruelas muito estreitas. No entanto e, apesar de ser uma das maiores zonas de barracas de Lisboa, o Bairro Chinês era diferente de muitos bairros com as mesmas características, uma vez que a sua população era ordeira, de raízes operárias e rurais, em idade ativa, socialmente interligada e integrada no mercado de trabalho. Lucinda Gomes, uma das moradoras do antigo bairro chinês, recorda que “este bairro era lindo, todos se davam bem, todos se cumprimentavam cada vez que se viam na rua, hoje já não é assim”. O relembrar de memórias antigas leva Manuel Cardoso ao momento em que “colocaram pontes de madeira em cima das valas que passavam pelo bairro e levavam os dejetos a céu aberto”, confessando que “antes tinham que saltar por cima delas”.
No meio de muitas gargalhadas ao reviverem os belos tempos do COL – Clube Oriental de Lisboa, José Almeida diz que “para onde quer que o Oriental fosse, íamos todos atrás, toda a população desta zona, quer o jogo fosse cá ou noutro sítio. Aqui todos eram orientalistas de gema.” E muito antes do Oriental existir “quando eram os três clubes – Marvilense, Fóforos e Chelas, estes dois tinham os campos divididos por tábuas, ou seja, sabia-se sempre quando um marcava ou não, e as pessoas viam os dois jogos ao mesmo tempo”, recordou Jaime Teixeira. Os mais pequenos divertiam-se com o que arranjavam “bolas de futebol feitas de meias, carrinhos feitos de latas de conservas, carrinhos de linhas e arames, berlindes, peão e nem os botões das calças escapavam, pois serviam para o jogo do botão. E, mesmo com todas essas traquinices não se faltava ao respeito aos mais velhos como se vê agora”, recorda Manuel Cardoso. Para estudar tinham a escola primária que funcionava, durante o dia na antiga sede da Junta, que só tinha os seus serviços a funcionar durante a noite para que se pudessem dar as aulas.
Bairro do Carrossel, Quinta da Caldeira e Zona do Cano de Água, eram zonas deste antigo bairro, através das quais as pessoas identificavam onde os outros moravam. “A zona do Cano de Água, chamava-se assim pois era a zona por onde passava o abastecimento da água para aqui e, era também onde se encontravam as melhores tascas”, confessa José Cardoso.
Sendo esta a zona industrial de Lisboa em que se apanhava barro para a Fábrica de Tijolos e Telhas, era também um sítio onde se podiam ver vários campos de cultivo de cevada, trigo e flores para vender nos mercados e feiras. Na altura dos Santos Populares e do Carnaval podiam ver e ouvir-se pequenos bailes. Todas as casas e ruas enfeitadas por todos e, fogueiras para se saltar por cima. Fátima Lopes, recorda com carinho que vinham a correr do cimo da rua para ter mais balanço para saltar por cima das fogueiras sem se queimar. Com a entrada no século XX, mais precisamente nos anos 80/90, houve uma grande necessidade de acabar com as zonas de barracas que proliferavam por toda a cidade lisboeta. A reorganização e as demolições levaram a que toda a população que ali vivia, fosse realojada em prédios que foram sendo construídos por toda a freguesia, desde o Bairro do Armador, “para onde foram as primeiras famílias, que estavam junto ao muro do Oriental”, disse o Sr. José Moreira; o Bairro do Condado, Flamenga e depois, Bairro Marquês de Abrantes, Alfinetes e Salgadas.