Os edifícios nasceram ainda antes do 25 de Abril de 1974. Mas foi a Revolução que levou vida à antiga Zona I, com a ocupação massiva de centenas de fogos, que decorreu até 10 de maio do mesmo ano. Por esses dias, 575 casas das mais de 900 foram ocupadas. As restantes viriam a sê-lo no decorrer ainda desse ano e ao longo de 1975.
João Alves, que muitos conhecem pelo seu trabalho de voluntariado na imponente Igreja de Santa Beatriz, recorda o bairro num tempo de plena convulsão política. “Juntaram-se aqui muitas fações sociais e políticas”, dando à zona uma pluralidade de caráter excepcional. “A maioria era oriunda de Trás-os-Montes, como eu, ou da Beira” e “também havia uma grande percentagem de militares” de várias armas e patentes.
A legalização dos fogos chegou com os Decretos-Lei nº 198-A/75, de 14 de Abril, e nº 294/77, de 20 de Julho, que deram origem ao que hoje se conhece como o Bairro das Amendoeiras que, longe do conceito de dormitório, desde cedo revelou um fervilhar de vida religiosa inclusive. Foi o caso de uma comunidade cristã que, nos finais dos anos 70, começou a reunir- -se, ainda sem nome. A designação chegaria de forma natural, com a canonização da única santa portuguesa, a 3 de Outubro de 1976, pelo Papa Paulo VI. Santa Beatriz da Silva deu assim nome aquela comunidade que entretanto conseguiu um local de culto numa cave do Lote 68, arranjada e tratada pelos moradores do bairro em regime de voluntariado. “Ainda hoje todo o trabalho aqui na Paróquia é feito por voluntários: a limpeza, a manutenção…”, conta João Alves.
A capela viria a nascer com a ajuda da Paróquia de São Jorge de Arroios, de Monsenhor José de Freitas, que emprestou o dinheiro necessário: “na altura, 1700 contos” (cerca de 8500 euros). O pagamento viria a ser feito “aos poucos e sem juros”, sublinha João Alves. Mas só depois de 1997, com o Padre Inácio Belo, arrancaram as investidas para a construção da igreja que hoje marca a paisagem no Bairro das Amendoeiras: a construção iniciou-se em 2001 e a inauguração decorreu no dia 1 de Novembro de 2005, com a presença do Cardeal Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo.
A Igreja de Santa Beatriz da Silva é apenas um exemplo de como a iniciativa e a boa vontade dos moradores interferem no bairro. Mas isso acontece também com as instituições que ou nasceram aqui ou adotaram este como o seu bairro. É o caso do Clube Lisboa Amigos do Fado. Não tem aqui as suas origens — “a sua criação teve origem no Varejense no Alto de São João, tendo depois andado em itinerância por várias coletividades”, recorda Armando Tavares —, mas foi no Bairro das Amendoeiras que criou raízes e há 11 anos que faz parte do património do bairro.
O local a que os Amigos do Fado chamam casa fica na Rua Dr. José Espírito Santo, numa loja transformada em casa de fados. “Inicialmente, estas instalações eram dos escuteiros que nos cederam uma sala para ensaiarmos às quartas-feiras. Depois, quando os escuteiros se mudaram para o Poço Bispo, o clube conseguiu ficar e adaptar o espaço.” Mas a história do clube vai para lá das paredes que habita. Envolve as pessoas que, depressa, “foram aparecendo”: “para aprender a tocar viola ou guitarra e para aperfeiçoar a voz”. A vertente de escola mantém-se e há aulas todas as segundas-feiras. Mas não só: aos domingos, das 16h às 20h, o Clube Lisboa Amigos do Fado abre-se à comunidade para acolher Matinés do Fado, sempre com casa cheia.
Ali bem pertinho, outro projeto que brotou de uma “carolice” nos idos anos 70. “Começou por um grupo de rapazes que participava em torneios”, recorda Manuel Ferreira, presidente do Clube de Futebol de Chelas. O gosto de praticar a modalidade aliada à vontade de tirar os jovens das ruas levou aquele grupo a fundar o clube no dia 4 de Julho de 1979.
A legalização, conseguida após uma incursão a Cuba do Alentejo, viria mais tarde, assim como os espaços a que chamaram de sede: primeiro, uns contentores cedidos pela Câmara Municipal na época de Kruz Abecassis; depois, o “famoso autocarro da Carris”. A verba para a construção de uma sede, “que está muito bonita”, chegou há seis anos. Ainda assim, Manuel Ferreira considera que é essencial investir mais nos jovens, de forma a levá-los a optar pela prática do desporto. Porque é essa juventude, que diariamente dá vida à zona – quer pelos vários estabelecimentos do Agrupamento de Escolas D. Dinis quer a caminho do Instituto Superior de Engenharia de Lisboa -, que é o futuro que pode fazer florir o Bairro das Amendoeiras.